Recentemente o Superior Tribunal de Justiça julgou procedente uma ação de indenização por danos morais cujo fundamento foi, nos termos do resumo da sentença, que a autora da ação, “sendo filha do requerido (...) sempre tentou contato com o mesmo e nas datas mais importantes de sua vida o requerido não lhe demonstrou o menor afeto ou mesmo deu qualquer importância (...).” O requerido, pai da autora da ação, foi condenado ao pagamento de uma indenização de 200 mil reais pelo que se está chamando de abandono afetivo, que é, ao que parece, a falta de demonstração de afeto, carinho e consideração, sendo que essa falta geraria problemas sentimentais, tidos como dano moral passível de indenização. No caso em questão, os fatos apontados como caracterizadores do abandono afetivo foram, dentre outros, “falta de carinho, afeto, amor e atenção, apoio moral, nunca havendo sentado no colo do pai, nunca recebendo conselhos, experiência e ajuda na escola, cultural e financeira”. Salienta-se, para melhor compreensão do caso, que o pai pagou pensão alimentícia à sua filha até que ela completasse a maioridade, como normalmente acontece em casos de separação. Assim, segundo essa decisão do Superior Tribunal de Justiça, um pai ou uma mãe que seja enquadrado nos fatos acima descritos está cometendo um ato ilícito e portanto pode ser judicialmente condenado ao pagamento de uma indenização. A conclusão a que se chega, portanto, é de que referida decisão entende ser uma obrigação legal a demonstração de carinho, afeto, atenção e amor, independentemente da vontade ou do que as pessoas envolvidas realmente sintam uma pela outra. Tal decisão já vem causando certa repercussão, como era de se esperar, podendo ser destacado artigo de autoria da jornalista Eliane Brum, publicado no site da Revista Época, que lança críticas muito contundentes à referida decisão, denunciando um Estado “que cada vez mais se arma do direito de entrar dentro das nossas casas e determinar como devemos viver”. Como orientação jurídica, portanto, poder-se-ia salientar aos pais para a importância de manter provas do afeto e carinho que sentem pelos filhos (ou ao menos que devem sentir, segundo a decisão), como fotos felizes com os filhos, cartas afetuosas e cartões sentimentais em datas estratégicas, uma vez que podem ver-se numa estranha situação de ter que comprovar judicialmente que não abandonaram afetivamente seus filhos... Obviamente isso seria estranhíssimo, pois afeto e amor não deveriam ser objeto de discussão judicial, mas seria uma orientação legítima que apenas seguiria a linha da decisão. Considero importante, por fim, ressaltar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem mantendo firme seu entendimento de negar indenização por abandono afetivo, em decisões prudentes e sábias. Finalizo este breve artigo citando pequeno, mas significativo seguinte trecho de uma delas: “O mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si, situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, e constitui antes um fato da vida”. De fato o Judiciário Gaúcho tem tradição de ser uma justiça séria, reflexo certamente dos magistrados que a compõem, pois por trás de toda instituição, por maior que seja, está sempre o homem, em sentido amplo, um homem com seus valores, experiência e toda sua subjetividade que lhe é inerente. Não faço uma crítica acerca da legalidade ou não da decisão do Superior Tribunal de Justiça, pois como advogado tenho ciência de que é legalmente possível defender teses contrárias entre si. A questão que proponho, portanto, é saber qual é a melhor solução para o problema dado (é possível dano moral por abandono afetivo?) em termos de Direito e não apenas de legalidade. Com o reconhecimento do abandono afetivo, entendo ser consequencia lógica a afirmação da existência de uma obrigação de afeto, ou ao menos a obrigação da demonstração de afeto, seja ele falso ou não, e a obrigação de mútuo convívio, ainda que contra a vontade de uma das pessoas envolvidas. Tal conclusão pode passar despercebida por uma análise insuficiente do caso, que se limite a apenas considerar alguém que sofre e que receberá uma indenização, mas é uma conclusão necessária e que deve ser assumida para a resolução da questão. Percebam que, na linha da decisão, um pai ou uma mãe que por qualquer motivo não queira conviver com seu filho ou filha (e isso é um fato da vida), será obrigado a fingir um afeto e a conviver com a criança, a fim de não cometer um ato ilícito (abandono afetivo). Lembro novamente que não se trata da obrigação de sustento material, mediante o pagamento de pensal fixada livremente em juízo, mas sim de uma obrigação de afeto e de convívio. Questiono se esse afeto falso e essa convivência forçada, a contragosto do genitor, a fim de não cometer um ilícito (abandono afetivo), será seguramente positiva para o bom desenvolvimento da criança, pois não podemos nos esquecer que quando se reconhece um direito a alguém, necessariamente se reconhece uma obrigação correspondente a cargo de outrem, com todos os reflexos daí decorrentes, os quais devem ser sempre considerados. Finalizo o presente artigo ressaltando que nem todo problema é um problema jurídico, mas que atualmente se está perdendo um pouco o valor desse ensinamento, sendo o caso comentado um exemplo disso. Daniel Sombrio