Quem nunca ouviu a emblemática frase “o cliente tem sempre razão”
A frase criada em 1909 pelo empresário Harry Gordon Selfridge está um pouco defasada frente às relações de consumo atuais.
O direito do consumidor vem sofrendo transformações ao longo dos anos, transformando a ideia de que o fornecedor sempre é responsável pelos danos alegados.
Recente julgado da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, reconheceu a culpa exclusiva do consumidor, o que abre precedente para que as empresas possam sem medo demonstrar o mau uso dos produtos por parte dos consumidores.
Trata-se de reclamação realizada por uma consumidora junto ao Procon Municipal contra empresa fabricante de forno microondas, alegando que logo nas primeiras semanas de uso o produto apresentou problemas em seu funcionamento e que não obteve solução junto a assistência técnica autorizada.
Ocorre que, apesar de notificada a fabricante se manteve inerte, o que ensejou a abertura de processo administrativo pelo órgão para apuração dos fatos.
Nesta oportunidade, a defesa foi apresentada pela empresa fabricante alegando em suma que a assistência técnica havia sido negada tendo em vista não terem sido identificados vícios de fabricação, inclusive acostou ao processo administrativo laudo técnico, comprovando que o dano fora causado pela queda do produto.
Embora a empresa tenha anexado na defesa laudo comprovando que todos os danos relatados não eram advindos de problemas de fabricação, o que é uma excludente de responsabilidade do fornecedor de acordo com o Art. 12, §3, do CDC, o Procon aplicou sanção de multa no valor de R$ 4.000,00, tendo como fundamentação o fato da empresa não ter se manifestado em sede preliminar.
Diante disso, a fabricante buscou a justiça postulando a anulação da multa administrativa, através de Ação Declaratória de Nulidade cujos pedidos foram julgados improcedentes pela 2ª Vara da comarca de Içara, e a multa mantida.
Em sede recursal a sentença foi reformada, determinando a anulação da multa administrativa imposta pelo Procon.
O desembargador Luiz Fernando Boller, afirma que o órgão desconsiderou o laudo técnico apresentado pela empresa, o qual comprova que todos os danos são decorrentes de mau uso do produto, aplicando a penalidade tão somente pelo fato de que se manteve inerte quando notificada preliminarmente.
Neste sentido, evidenciou o magistrado:
“Órgão de Defesa do Consumidor conferiu desmedida relevância à forma em detrimento do próprio direito tutelado, o que não se afigura escorreito, visto que "não há paralelo estrito entre processos administrativo e judicial", pois "enquanto neste impera a formalidade, com forte apego a ritos processuais, naquele prevalece o formalismo moderado, sem espaço para rigorismo solene".
Cumpre ressaltar que o Procon atua como órgão auxiliar do Poder Judiciário, com o intuito de assessorar o consumidor na resolução de conflitos junto ao fornecedor, evitando assim o ingresso de ação judicial. Atua também como agente regulador ou fiscalizador das normas do Código de Defesa do Consumidor.
Ainda, possui poder de polícia administrativa que lhe compete fiscalizar a relação consumerista podendo inclusive aplicar sanções previstas no Art. 56 do CDC, tais como pena de multa, advertência, etc.
Tem-se, portanto, que o objetivo das multas administrativas aplicadas pelos órgãos fiscalizadores na esfera consumerista tem por objetivo coibir a conduta nociva das empresas face a parte mais vulnerável, o consumidor.
No entanto, tal poder possui limitações. Embora, de fato tenha havido descumprimento dos atos administrativos pela empresa, estes não podem se sobrepor a realidade dos fatos, haja vista que a mesma juntou parecer comprobatório demonstrando culpa exclusiva da consumidora, rompendo o nexo causal entre o fato e o dano.
Podemos concluir que a máxima “o cliente tem sempre razão”, não é verdade absoluta e não deve ser aplicada a todos os casos, uma vez que o consumidor também possui responsabilidade nas relações de consumo, e sua conduta indevida pode acarretar na exclusão da responsabilidade do fornecedor.
Créditos:
Mônica Costella e Anelise Marques Brandão Gomes