Talvez uma das mudanças comportamentais mais significativas, com a revolução que estamos vivendo, seja no âmbito do conhecimento. Não só a pandemia nos obrigou acelerar o consumo de informação de uma forma não linear, vivemos o reflexo de uma transformação que já acontecia e só não percebia quem estava estacionado no tempo. Pois o consumo de Podcasts, tem sido uma das formas mais agradáveis e construtivas neste momento na busca e consumo por conhecimento.
Ouvir o episódio #02 do Podcast “Definir a Palavra que Define”, sobre Empresas Familiares é uma dessas oportunidades de aprendizado mais enriquecedoras. Passar cerca de 50 minutos ouvindo uma verdadeira aula sobre os desafios que as empresas ditas “familiares” estão vivendo. Todos os créditos desse conteúdo é uma clipagem da audição desse podcast, que foi brilhante com os seguintes participantes: Sérgio Torres (consultor), Luís Oselame (consultor), Alessandro Spiller, Ricardo Abel Guarnieri (advogados e sócios da Dupont Spiller) e José Fadanelli (advogado e sócio da Fadanelli Advogados).
90% DAS EMPRESAS
SÃO FAMILIARES
A informação de que 9 em cada 10 empresas são familiares é um retrato que oferece um ponto de partida importante para refletir sobre esse tema. As empresas familiares geram 65% do PIB e empregam 75% da força de trabalho, ou seja, conduzem a economia do país e refletem diretamente nos lares da grande maioria. Estima-se que 40% das empresas listadas pela revista Fortune 500 sejam de propriedade de famílias ou por elas controladas. O que torna o tema ainda mais interessante, é a informação de que apenas 10% das empresas familiares passam da 3ª geração. Essa breve exposição de dados é ponto de partida para importância de entender tudo o que envolve o comportamento, a cultura das empresas familiares, todos seus desdobramentos legais e direcionamentos estratégicos.
VONTADE E LEGADO SÃO
VANTAGEM COMPETITIVA
O diferencial do sangue: ele vai empregar um esforço diferente, para garantir o legado. É inegável que as empresas familiares mais bem-sucedidas, tem um legado claro e perceptível na sua trajetória. Muitas vezes encabeçadas por um líder que protagoniza a construção da marca e imprime na essência da empresa a visão de mundo que ele tem, deixa esse legado não apenas na organização, mas também para o ecossistema em torno dela. A constatação do consultor Sérgio Torres citada no podcast, de que essa construção se dá através de um “conjunto de histórias da família que vai para a empresa” torna o desafio de gerir uma empresa familiar, uma verdadeira arte, que com o passar dos anos é inclusive motivo de diferenciação no mercado. É justamente no legado que mora o zelo e a preocupação com vetores decisivos para o sucesso das organizações.
Não são poucas as histórias de líderes que deixam impressos na cultura da organização a preocupação com a governança, com qualidade da entrega, com a busca por inovação ou a capacidade de resiliência, etc. É fundamental perceber, que na maior parte dos casos esses valores “vêm de berço” e contribuem diretamente para o sucesso (mas também para o fracasso). A cultura de muito trabalho, resguardo do caixa e valorização das pessoas, são apenas exemplos de fatores que consolidaram o sucesso de muitas empresas ou que garantiram a estabilidade em um momento de dificuldade.
GOVERNANÇA PARA GARANTIR
A CONTINUIDADE DO NEGÓCIO
Todos conceitos que cercam uma governança bem estruturada e bem feita (sim, não basta planejar bem, é preciso executar com excelência), estão a serviço da perenidade do negócio em primeiro lugar. Apesar de as empresas se constituírem sobre os valores familiares, é preciso separar as coisas. O sacrifício que as famílias são obrigadas a passar são ainda mais delicados: o padrão de vida talvez precise ser dolorosamente revisto.
Os reflexos positivos dentro da família, são consequência de uma governança executiva feita com excelência, minimizando os impactos a medida que o negócio em si está devidamente organizado.
Muitas empresas familiares foram marcadas por grandes crises e sacrifícios, que nem todas as gerações conhecem. A preparação do planejamento sucessório possui papel fundamental para lidar não só com a gestão, mas para saber lidar também com a finitude da vida, que em um momento de pandemia, por exemplo, passar a ser presente em qualquer reflexão sobre o futuro da empresa.
A SUCESSÃO NÃO É UM EVENTO,
SUCESSÃO É UM PROCESSO
Ao se deparar com o evento morte ou com a impossibilidade de membros da família em desempenharem suas funções, a reflexão sobre a sucessão vem à tona. A sucessão precisa ser tratada como um processo para o “quando isso acontecer”, pois a finitude é uma certeza. Quando as organizações olham para isso apenas quando o “evento morte” chega (e ele vai chegar), as consequências podem ser irreparáveis. Quem dará continuidade ao negócio? Essa pessoa assim o quer? Ou seja, é da vontade do sucessor assumir as responsabilidades que lhe serão dedicadas?
Como afirmou o consultor Luís Oselame, no podcast “a sucessão só acontece se o Nº 1 assim o quiser. É ele que tem que sonhar com a perpetuidade da companhia”. Mais importante do que o desejo do sucessor em receber as devidas responsabilidades, é fundamental que o líder que vai preparar a sua futura saída tenha essa verdadeira vontade e preocupação. É dele o papel de promover o planejamento sucessório e deixar isso claro dentro da organização.
JÁ PASSAMOS TANTAS CRISES,
VAMOS PASSAR POR ESSA TAMBÉM?
Como dito anteriormente, a cultura de muito trabalho e dedicação garantiram a perenidade de muitas empresas, mas talvez trabalho e suor já não sejam mais suficientes para garantir a sobrevivência das empresas, principalmente em um momento de uma pandemia sem precedentes. Aliás, corremos o risco de muitos sucessores terem sido preparados para desafios e cenários que não existem mais. As perguntas mudaram, portanto ninguém mais tem todas as respostas.
Mais do que a execução, é um momento onde importância de saber interpretar e fazer as corretas leituras desse cenário serão decisórias. Muitas vezes se enfrenta o perigo de simplificar demais o problema (o que pode ser cacoete natural de líderes que sempre fizeram assim ou assado).
O mundo mudou, mas quem já exercitava processo sucessório e planejamento, estão mais preparados. Quem não vinha se preparando, vai passar mais dificuldade. A mentalidade vai mudar de forma abrupta para quem não vinha se preparando? A gente não tem a menor dimensão do que ainda está por mudar e quem mandou seus sucessores estudar e se preparar, vai passar melhor por essa crise. Vai sobreviver e se adaptar com menos traumas.
OUSADIA E CORAGEM
PARA TOMAR DECISÕES
Há quem diga, que a essência da estratégia é baseada na tomada de decisões. Fazer estratégia é tomar decisões. E fazer escolhas para empresas em um período de crise é ainda mais desafiador, quando essas decisões refletem não apenas na empresa, mas também diretamente na família. Não são poucas as histórias de empresas que em determinado momento mudaram radicalmente de rumo ou arriscaram investimentos consideráveis em momentos que nem sempre eram os mais favoráveis.
O fato é que o momento exige tomada de decisões, perante um cenário que oferece caminhos que ninguém conhece. Uma das reflexões de Oselame, diz que “quem disser que sabe como será o futuro, portanto saberá como estará o dólar daqui a 60 ou 90 dias, tem bola de cristal”. Ou seja, com um momento tão ímpar a tomada de decisões será baseada em ousadia, pois o histórico dessas situações praticamente inexiste.
APTIDÃO E HUMILDADE
COMBINADAS PARA LIDERAR
Ao mesmo tempo que é sabido que não existem mais empresas de um homem só, o papel das lideranças em apontar caminhos nunca foi tão importante. Não apenas na escolha dos caminhos, que podem ser errados e que precisam de ajustes rápidos (fail faster, cheaper and earlier), mas na disseminação e na autoridade necessária para patrocinar as escolhas.
Em um momento que o futuro das empresas foi interceptado e que muitos líderes foram aposentados de forma precoce, a combinação da humildade em ouvir toda organização, precisa ser somada ao conhecimento que as boas práticas ainda prevalecem, para que as empresas saiam saudáveis dessa crise, que vai deixar aprendizados históricos não apenas nas empresas, mas em toda sociedade.