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A Atuação dos Tabeliães como Árbitros

05/04/2024

A Lei nº 14.711/23, popularmente conhecida como Marco Legal das Garantias, sancionada em outubro de 2023, teve como objetivo principal a “extrajudicialização” e simplificação dos processos que envolvam as garantias. O novo texto legal reformulou as normas que regulamentam as garantias visando diminuir o risco de inadimplência e transformou a legislação civil, principalmente, no tocante à alienação fiduciária e a hipoteca.

Entre outras mudanças o Marco Legal das Garantias trouxe uma inovação a expressa que permite aos Tabeliães de Notas atuar como árbitros, mediadores ou conciliadores em situações de conflito. Note-se que nunca houve incompatibilidade entre essas funções, pois, a Lei de Arbitragem possui como únicos requisitos para que alguém atue como árbitro a capacidade civil e a confiança das partes. Porém, essa expressa autorização legal pode gerar também uma percepção de preferência ou incentivo à indicação dos tabeliães de notas como árbitros, podendo induzir o cidadão desavisado ao erro.

Ainda que essa alteração legal passe a sensação de que está “democratizando” a solução de conflitos através da arbitragem, eis que, esse método, em sua imensa maioria, limita-se à resolução de questões de alta complexidade e/ou de grande repercussão econômica, a sua efetividade prática poderá ser questionada e a principal razão para isso é o desconhecimento das particularidades do procedimento de Arbitragem. A máxima popular de que se deve “evitar o judiciário a qualquer custo” poderá fazer com que o cidadão comum assine cláusula de arbitragem com eleição de um tabelião no papel de árbitro sem estar ciente da repercussão dessa escolha.

Isso porque o procedimento arbitral tem ritos próprios, os quais exigem aptidões e expertise muito mais específicos do que mera interpretação legal de um operador do direito. Nesse sentido, o eventual despreparo dos Tabeliões – ou qualquer outro profissional eleito, insta referir - poderá acarretar em prejuízos, face ao caráter vinculativo da decisão tomada e com a cruel desvantagem de não haver recurso após a prolação da sentença, somente em algumas situações específicas (correção de erro material ou esclarecimento de pontos específicos do julgado).

O intuito desse texto não é condenar a inovação legal trazido pelo Marco Legal das Garantias, tampouco desprezar o conhecimento e know-how dos Tabeliães, somente trazer o alerta de que a facilitação ou desburocratização de processos pela simples alteração da lei, às vezes, pode atrapalhar mais do que ajudar, especialmente, quando se está falando de um procedimento que ainda pode ser considerado como “novo” na legislação brasileira e cuja aplicação dele requer o saber de conhecimento técnico bastante específico.

Portanto, é fundamental que o optante da cláusula arbitral saiba o que está assinando, bem como quem irá julgar o negócio jurídico que se está realizando, a fim de que tenha a oportunidade de averiguar se o profissional escolhido é de fato capacitado para emitir opinião vinculativa sobre o assunto.

Nesse sentido, ainda que viabilize a oportunidade de acesso à arbitragem visando a causas de valores menores como, por exemplo, as que envolvem questões de Direito Imobiliário e Registral, a simples indicação expressa de Tabeliões para as resoluções de conflitos extrajudiciais em geral, se aplicada por profissional sem esse conhecimento específico, poderá implicar em uma solução jurídica que talvez não seja a mais adequada. E pior, na prática, atribuirá poder vinculativo às meras homologações administrativas realizadas por profissional que não necessariamente tenha o conhecimento técnico para tanto, o que certamente é representa um perigo em universo onde cada vez há menos segurança jurídica. Eduardo Pinheiro Albi Anselmo,

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