O mercado de criptoativos, ou ativos virtuais, está em franca expansão em território nacional. As movimentações desses recursos geralmente ocorrem por meio das empresas exchanges, ou simplesmente exchanges, que funcionam como espécies de corretoras, intermediando as trocas. Estima-se que existam perto de 3 milhões de brasileiros com contas nessas instituições, com valores negociados na ordem de R$ 6,8 bilhões, em 2018. Esse vasto mercado está em processo de regulamentação aqui no Brasil.
No dia 26/04/2022, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.401/2021 o qual trata das exchanges como prestadoras de serviços de ativos virtuais, sendo que elas podem desempenhar trocas de ativos entre moeda nacional e estrangeira, troca entre ativos virtuais, transferência de ativos virtuais e custódia ou administração desses ativos. Pelo projeto, a supervisão dessas entidades se dará por órgão da administração pública federal indicado pelo Executivo. Embora não conste atualmente no texto do projeto, acredita-se que o Banco Central (BC) realizará essa tarefa.
Estabelecido o marco legal para esse tipo de empresa, parece claro que se tratam de verdadeiras instituições financeiras. Esse enquadramento é de fundamental importância, pois é com base nele que pode se determinar qual é o grau de responsabilidade jurídica dessas empresas em caso de crise ou, até mesmo, falência.
O PL apenas traça linhas gerais e não trata especificamente do regime recuperacional e falimentar das exchanges. Assim, a questão que surge é: como serão regulamentados esses processos? Os tribunais brasileiros ainda não se debruçaram de maneira mais detida sobre o assunto e, como visto, sequer o PL mencionado foi promulgado até o momento. Algo, no entanto, é certo: a resposta passa pela compreensão da natureza jurídica das exchanges.
O entendimento teórico que parece mais razoável é o de que as empresas de exchanges são instituições financeiras similares às corretoras tradicionais e, portanto, estão sob supervisão do BC, o que implicaria na aplicação da Lei 6.024/1974 em caso de crise financeira. Por outro lado, caso se considere que elas são empresas de prestação de serviços comuns, as mesmas estariam enquadradas nos casos de aplicação da Lei 11.101/2005, ou seja, aptas a ingressarem com pedidos de recuperação judicial e falência.
A aplicação de uma lei ou outra é especialmente relevante no período pré-falimentar. A Lei 6.024/1974 é a utilizada atualmente em caso de bancos ou seguradoras em crise. Ao perceber prejuízos ou desvios o BC pode determinar uma intervenção na instituição financeira. Essa intervenção gera um relatório segundo o qual pode ser determinada a liquidação extrajudicial, procedimento com efeitos similares aos das recuperações judiciais, como, por exemplo, formação de quadro de credores e suspensão de execuções. Por outro lado, caso a definição da exchange não seja de instituição financeira fiscalizada pelo BC, seria razoável a empresa ter a possibilidade de ingressar com pedidos de recuperação extrajudicial, judicial ou, até mesmo, falir.
O que se observa, dessa forma, é que, a despeito das possibilidades de recuperação serem distintas, algo é comum: assim como instituições financeiras ou empresas, as exchanges podem falir. Exemplo recente é o do empresário conhecido como “Rei do Bitcoin” que é acusado de desviar R$ 1,5 bilhão com a simulação de compra e venda de criptomoedas. Além da prisão, o proprietário do Bitcoin Banco viu ser decretada a falência de todas as empresas do grupo. Nesse caso, a regulamentação adequada poderia ter assegurado a correspondência entre os ativos e evitado as fraudes.
Por fim, pode-se perceber que a relação entre mercado de ativos virtuais, exchanges está em construção, especialmente no que se refere aos processos de recuperações judiciais e falências, ao mesmo tempo em que o novo modelo econômico segue em formação.