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Distratos: o que será dessa Lei?

16/04/2019

Um fato social pode gerar conflito de interesses. Para solucioná-los, nosso sistema democrático de direito se vale de uma realidade imaginada que denominamos “lei”. Um desses conflitos se acirrou na crise imobiliária de 2018, quando muitos adquirentes deixaram de pagar as prestações dos contratos de compra e venda de imóveis na planta e procuraram as incorporadoras para receber de volta os valores até então pagos. Quando há consenso entre comprador e incorporador, as partes firmam um distrato prevendo as regras do desfazimento do negócio. Regram o percentual de retenção dos valores pagos a título de penalidade por desistência, índice de correção monetária em caso de devolução parcelada, multas contratuais etc. Quando as partes não acordam, consumidores e incorporadoras travam longas batalhas nos tribunais para definir as regras do rompimento. Em 2018, muitas Incorporadoras firmaram mais distratos do que contratos e, mesmo depois de firmados os distratos, muitos consumidores ingressaram na Justiça para revisar as condições já acordadas. Era necessário a intervenção do Estado nessa disputa social, o que ocorreu por meio da promulgação da Lei 13.786/18, a chamada Lei dos Distratos. O propósito da nova lei (realidade imaginada) é proteger os interesses dos adquirentes, mas também das incorporadoras, afinal, a proteção mútua entre os contratantes é um dos princípios fundamentais da nossa sociedade, e estava mais do que na hora de serem protegidos os interesses econômicos das incorporadoras. Um dos principais pontos da nova lei é permitir a retenção de até 50% dos valores pagos pelo consumidor caso ele desista da compra. Até o advento da lei, o Superior Tribunal de Justiça permitia a retenção de até 25% dos valores pagos. Mas será que na Lei há mecanismos de pacificações nas relações entre adquirentes e incorporadoras? Há equilíbrio de direitos e obrigações capazes de regular o fenômeno dos distratos que estavam levando as incorporadoras a bancarrota? Será que essa realidade imaginada da Lei dos Distratos vai FUNCIONAR? O Poder Judiciário vai ignorar as disposições do código de proteção e defesa do consumidor e autorizará a retenção de até 50% do valor pago pelo adquirente? A Lei dos Distratos é um caso clássico da incompatibilidade da lei em relação ao momento vivido. Ela vem tarde, não pacifica as relações contratuais entre adquirentes e incorporadoras e não gerará a esperada segurança jurídica para os contratos de aquisição de imóveis na planta. A lei está em vigor e deve ser respeitada, mas nada impede que concessões mútuas sejam feitas, do contrário, os conflitos continuarão sendo “resolvidos” nos Tribunais. Os profissionais que atuam no ramo são fundamentais para a solução positiva destes conflitos, desde que conheçam o mercado e estejam capacitados para avaliar as consequências econômicas das suas decisões. A negociação é fundamental neste mundo rápido em que vivemos. Não faz sentido depender de leis atrasadas, fora de tempo. Adv. Tiago Alves tiagoalves@dupontspiller.com.br

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